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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

CNPq anuncia diretrizes éticas para pesquisa científica

Diretrizes:
 
CNPq anuncia diretrizes éticas para pesquisa científica
Com informações do CNPq - 26/10/2011
 
Ética na ciência
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) divulgou um conjunto de diretrizes para promover a ética na publicação de pesquisas científicas e estabelecer parâmetros para investigar eventuais condutas reprováveis.
A iniciativa foi tomada após denúncia de fraude em publicações científicas envolvendo pesquisadores apoiados pela instituição.
De acordo com o presidente do CNPq, Glaucius Oliva, "diante da inexistência de normas internas específicas e instrumentos estabelecidos para o tratamento adequado de ocorrências desta natureza, a Diretoria Executiva decidiu criar uma Comissão Especial, com a missão de propor recomendações e diretrizes sobre o tema da Ética e Integridade na Prática Científica".
O CNPq constituirá agora uma comissão permanente para difundir informações sobre pesquisa ética, principalmente sobre o ponto de vista da publicação científica.
O mesmo grupo se encarregará de analisar as denúncias que chegarem à instituição.
As regras propostas preveem que as denúncias de infrações serão submetidas a um juízo prévio da comissão permanente. Se julgadas verossímeis, o CNPq criará uma comissão extraordinária de especialistas para análise do caso.
 
De falsificação a repetição
O texto descreve quatro condutas ilícitas: a falsificação, a fabricação de resultados, o plágio e o autoplágio, este definido como a republicação de resultados científicos já divulgados como se fossem novos, sem informar a publicação prévia.
As regras também condenam a inclusão como autores de pessoas que só tenham emprestado equipamentos ou verba, sem participação intelectual no artigo científico.
As punições para os delitos mais graves incluem a suspensão de financiamento por meio de bolsas e, eventualmente, a devolução do recurso investido pelo CNPq no trabalho.
 
Diretrizes para uma pesquisa ética
O autor deve sempre dar crédito a todas as fontes que fundamentam diretamente seu trabalho.
Toda citação in verbis de outro autor deve ser colocada entre aspas.
Quando se resume um texto alheio, o autor deve procurar reproduzir o significado exato das ideias ou fatos apresentados pelo autor original, que deve ser citado.
Quando em dúvida se um conceito ou fato é de conhecimento comum, não se deve deixar de fazer as citações adequadas.
Quando se submete um manuscrito para publicação contendo informações, conclusões ou dados que já foram disseminados de forma significativa (p.ex. apresentado em conferência, divulgado na internet), o autor deve indicar claramente aos editores e leitores a existência da divulgação prévia da informação.
se os resultados de um estudo único complexo podem ser apresentados como um todo coesivo, não é considerado ético que eles sejam fragmentados em manuscritos individuais.
Para evitar qualquer caracterização de autoplágio, o uso de textos e trabalhos anteriores do próprio autor deve ser assinalado, com as devidas referências e citações.
O autor deve assegurar-se da correção de cada citação e que cada citação na bibliografia corresponda a uma citação no texto do manuscrito. O autor deve dar crédito também aos autores que primeiro relataram a observação ou ideia que está sendo apresentada.
Quando estiver descrevendo o trabalho de outros, o autor não deve confiar em resumo secundário desse trabalho, o que pode levar a uma descrição falha do trabalho citado. Sempre que possível consultar a literatura original.
Se um autor tiver necessidade de citar uma fonte secundária (p.ex. uma revisão) para descrever o conteúdo de uma fonte primária (p. ex. um artigo empírico de um periódico), ele deve certificar-se da sua correção e sempre indicar a fonte original da informação que está sendo relatada.
A inclusão intencional de referências de relevância questionável com a finalidade de manipular fatores de impacto ou aumentar a probabilidade de aceitação do manuscrito é prática eticamente inaceitável.
Quando for necessário utilizar informações de outra fonte, o autor deve escrever de tal modo que fique claro aos leitores quais ideias são suas e quais são oriundas das fontes consultadas.
O autor tem a responsabilidade ética de relatar evidências que contrariem seu ponto de vista, sempre que existirem. Ademais, as evidências usadas em apoio a suas posições devem ser metodologicamente sólidas. Quando for necessário recorrer a estudos que apresentem deficiências metodológicas, estatísticas ou outras, tais defeitos devem ser claramente apontados aos leitores.
O autor tem a obrigação ética de relatar todos os aspectos do estudo que possam ser importantes para a reprodutibilidade independente de sua pesquisa.
Qualquer alteração dos resultados iniciais obtidos, como a eliminação de discrepâncias ou o uso de métodos estatísticos alternativos, deve ser claramente descrita junto com uma justificativa racional para o emprego de tais procedimentos.
A inclusão de autores no manuscrito deve ser discutida antes de começar a colaboração e deve se fundamentar em orientações já estabelecidas, tais como as do International Committee of Medical Journal Editors.
Somente as pessoas que emprestaram contribuição significativa ao trabalho merecem autoria em um manuscrito. Por contribuição significativa entende-se realização de experimentos, participação na elaboração do planejamento experimental, análise de resultados ou elaboração do corpo do manuscrito. Empréstimo de equipamentos, obtenção de financiamento ou supervisão geral, por si só não justificam a inclusão de novos autores, que devem ser objeto de agradecimento.
A colaboração entre docentes e estudantes deve seguir os mesmos critérios. Os supervisores devem cuidar para que não se incluam na autoria estudantes com pequena ou nenhuma contribuição nem excluir aqueles que efetivamente participaram do trabalho. Autoria fantasma em Ciência é eticamente inaceitável.
Todos os autores de um trabalho são responsáveis pela veracidade e idoneidade do trabalho, cabendo ao primeiro autor e ao autor correspondente responsabilidade integral, e aos demais autores responsabilidade pelas suas contribuições individuais.
Os autores devem ser capazes de descrever, quando solicitados, a sua contribuição pessoal ao trabalho.
Todo trabalho de pesquisa deve ser conduzido dentro de padrões éticos na sua execução, seja com animais ou com seres humanos.

domingo, 7 de agosto de 2011

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Movimento: repetição do rocambole

As coisas se repetem como um rocambole que faz uma espiral…. no inicio é uma prancha sobre a qual se coloca uma camada... ai a cobertura vira o recheio. Na primeira volta a face de baixo se encontra com a de cima e o avesso da que estava embaixo cobre o que anteriormente era a cobertura e virou recheio. Tem um momento, de uma determinada perspectiva podemos ver que, quanto mais profunda é a camada (que antes era a base), mais ela se mistura com a cobertura... e a medida que vai se repetindo vai se revezando a camada de baixo e a camada de cima, sendo que a camada que iniciou por baixo, acaba virando a de camada de cima. 

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Hans Bellmer.

Hans Bellmer, Petite anatomie de l’image ou l’anatomie de l’image, Paris, éditions Allia, 2006, p.15

"Le corps, est structuré comme langage et se prête à toutes les anagrammes ; les mutations des sens, les permutations des organes, les réversibilités symétriques induisent ainsi d’autres sens, dont la combinatoire est infinie : Le corps [écrit-il] est comparable à une phrase qui vous inciterait à la désarticuler pour que se recomposent, à travers une série d’anagrammes sans fin, ses contenus véritables." Hans Bellmer

[1]« Hans Bellmer, Anatomie du désir » Sous la direction d’Agnès de la Beaumelle. Edition Gallimard/Centre Pompidou, Paris, 2006, (l’anatomie de l’image, Paris ed. Allia, 2002, p.45), p. 33.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Rondel de l'adieu.

"Partir c’est mourir un peu,
C’est mourir à ce que l’on aime :
On laisse un peu de soi-même
En toute heure et dans tout lieu.
C’est toujours le deuil d’un voeu,
Le dernier vers d’un poème ;
Partir, c’est mourir à ce que l’on aime.
Et l’on part et c’est un jeu
Et jusqu’à l’adieu suprème
C’est son âme que l’on sème,
Que l’on sème en chaque adieu :
Partir, c’est mourir un peu."


Edmond Haraucourt

sábado, 9 de julho de 2011

Dewey

« […] l’existence se déroule dans un environnement ; pas seulement dans cet environnement mais aussi à cause de lui, par le biais de ses interactions avec lui. Aucune créature ne peut vivre à l’intérieur des limites de son enveloppe cutanée : ses organes sous-cutanés sont des liens avec l’environnement au-delà de son enveloppe corporelle, auquel, afin de vivre, il doit faire face en s’y adaptant et en se défendant, mais aussi en le conquérant. A chaque instant, l’être vivant est exposé à des dangers provenant de son environnement, et à chaque instant, il doit puiser dans son environnement, de quoi satisfaire ses besoins. La vie et le destin d’un être vivant sont à ses échanges avec son environnement des échanges qui ne sont pas externes mais très intimes».

DEWEY, John. III L’art comme expérience, introduction par Richard Shusterman, postface de Stewart Buettner, Traduit de l’anglais (USA) dans le cadre du GRAPPHIC et du CICADA par Jean-Pierre Cometti, Christophe Domino, Fabienne Gaspari, Catherine Mari, Nancy Murzilli, Claude Pichevin, Jean Piwnica et Gilles Tiberghien, coordonnée par Jean-Pierre Cometti, publications de l’Université de Pau, Farrago, 2005. p. 32.


sábado, 2 de julho de 2011

A plasticidade corporal e a dança contemporânea.



O ser humano é por natureza um ser plastico. Ele passa por experiências que o transformam. A cada transformação da pessoa, em razão de novas experiências, encontram-se novas formas expressivas. O corpo dançante remodela o mundo, da mesma maneira que o mundo o remodela. Quando a dançarina é obra de arte, ela representa o material de sua própria expressão. A fonte da expressividade do artista se encontra no mesmo contexto de seus atos  realizados no cotidiano. Nesta comunicação pretendo discutir sobre a relação plástica dos movimentos corporais do cotidiano e os apreciados sobre a cena e a noção dual do corpo. Trato a unidade corporal segundo Maine de Biran, a experiência estética segundo Dewey e a plasticidade segundo Demeulenaere. A pesquisa foi realizada em Brasília (Brasil), Montreal (Canadá) e Paris (França).



As pessoas de todas as culturas se reproduzem através do ato sexual e desaparecem com a morte. Durante sua existência, vivem numerosas experiências e mantêm contato com a exterioridade por meio do sensível, se não por meio da nutrição.
O humano aparece constantemente como um ser independente, no entanto ele demonstra uma dependência absoluta da estima de seus semelhantes e precisa viver em sociedade. Ele depende da relação face à face com sua exterioridade, necessita ser reconhecido no olhar do outro[1]. Seus hábitos refletem seus afetos trocados com o meio. Uso o termo afeto discutido por Maine de Biran[2]. Para ser afetado a pessoa tem que ter afeto pela coisa. É, portanto, um ato consciente de aceitação e não imposto.
O humano é plastico; modifica-se por meio de suas adaptações segundo as necessidades para a sobrevivência. Durante as guerras e calamidades naturais, é forçado a ultrapassar a si próprio para sobreviver; é capaz de se adaptar a uma alimentação rigorosamente controlada. Quando se encontra perdido por exemplo, numa floresta, aprende a se alimentar daquilo que a natureza lhe oferece; come aquilo que em situações normais lhe pareceria não degustável. Adapta-se ao espaço e ao clima. As pessoas que se tornaram cegas após uma determinada idade têm a mesma capacidade de desenvolver a sensibilidade auditiva como aqueles que nasceram cegos. As pessoas que nascem sem os braços, aprendem a se servir dos pés como se estes fossem suas mãos. Seguram garfos e facas, pintam seus lábios com batom, penteiam os cabelos, etc.
A pessoa troca o tempo todo com o meio em que vive. É uma maneira de se reconhecer e assim se sentir verdadeiramente inserida na cultura. São as relações de subjetividade/pessoa, experiência vivida, que marcam a nossa existência e edificam a nossa cultura. Segundo a etnologia, cultura é o conjunto de produções significantes de uma sociedade, o que implica em linguagem, tradições, maneira de viver, de se comportar, de se mover, entre outros.
Cada cultura estabelece uma relação do humano com o meio ambiente. Essa relação é apreendida durante o cotidiano da pessoa. Milton Santos[3] explica isso como patrimônio da cultura imaterial. Esse patrimônio pode ser uma fonte de informação muito importante para se entender as diferenças entre as culturas e suas criações artísticas. Cada cultura: brasileira, francesa, canadense, chinesa, africana, norte-americana, por exemplo, possuem cada qual um estilo próprio.
Os humanos são feitos da mesma matéria, indiferentemente da cultura a qual eles pertençam. Eles se assemelham, naquilo que diz respeito à estrutura anatômica/biomecânica, embora hajam particularidades nas tonalidades da cor da pele, dos olhos, dos cabelos e na estatura. Em todo caso, essas particularidades estão bem mescladas no território brasileiro. Se num mesmo pais, ainda que pequeno como a França, é possível perceber a diversidade tangível à expressão corporal, o que podemos dizer quando nos referimos à diferentes culturas?
Para os teóricos do gesto, os gestos comunicativos representam uma linguagem quase universal. Julia Kristeva[4] comenta que a linguagem não verbal é mais universal do que a verbal.  Isto quer dizer que uma expressão de tristeza ou de alegria  é reconhecida na maior parte dos países. Mas não vou me aprofundar na questão do gesto de comunicação pois meu interesse é a expressão artística em dança. 
As sociedades são muito diversas no mundo, e possuem sensibilidade e percepção  diferentes umas das outras. Não existe uma maneira de perceber as coisas, nem uma sensibilidade uniforme para todas as culturas. Um exemplo disso é a difusão de imagens de tortura dos soldados americanos, difundida na Internet pelos Iraquianos no período que os Estados Unidos invadiram o Iraque (2003). Para eles as imagens que mostram corpos sendo maltratados, significam imagens de terror. No entanto, no Ocidente, foi possível constatar a facilidade que as  pessoas têm para estetizar a punição do corpo, haja vista o sucesso que estes vídeos obtiveram em relação ao número de vezes que foram acessados na internet.
A experiência estética é compartilhada por todos que habitam um mesmo lugar. Os hábitos são aprendidos com aos pais, a família de um modo geral, e também com a comunidade. Assim, a aprendizagem estética se inicia na mais tenra idade e prossegue por meio de todas as experiências da vida cotidiana. Por exemplo, a aprendizagem estética da criança é estreitamente ligada ao desvelar do mundo. A criança sente o cheiro, escuta os barulhos, é sensível ao toque, ao calor e ao frio, assim como aos diversos sabores (amargo, doce, salgado, azedo, etc.) que formam os princípios corporais[5]. Ao mesmo tempo, ela conhece o mundo simbólico através dos sentidos que são de origem corporal (a paixão, o medo, os desejos, a animosidade)[6]. Tudo isso se mescla e se desenvolve para formar o que a criança está se tornando.
Assim, desde que nasce, a pessoa está em interação com o meio ambiente, ou seja, ela passa por experiências. As vezes estas passam desapercebidas, caso a pessoa não se dê conta de que ela é participante de uma experiência, pois que as ações não são realizadas com o intuito de experimentar algo preciso. Isto quer dizer que estamos o tempo todo passando por experiências sem que o objetivo seja a experiência, ela mesma. Assim, a pessoa não presta atenção em seus atos.
Quando aqui me refiro à experiência, estou falando daquilo que a pessoa vivencia diferente da experiência científica onde a pessoa não é o próprio objeto da experiência. Então falo aqui da experiência vivida.
Para falar verdadeiramente sobre o conhecimento de uma ação com propriedade, é preciso passar pela experiência. Eu não posso falar que conheço o gosto do caju se eu jamais saboreei  um caju. Mesmo que eu tenha aprofundado meus estudos sobre essa fruta, eu só posso me apropriar de seu sabor logo que eu realmente a deguste. Do contrário meu discurso sobre o caju, mesmo tendo um vasto conhecimento da fruta, não passará de um discurso teórico diferente do discurso dos que já o provaram. É importante ressaltar que tomar o suco de caju, não é o mesmo que comer a fruta. As experiências são particulares, preservadas e consideradas, sem que haja a preocupação com a sobreposição, assimilação ou destruição destas.
De fato, cada pessoa é o material de sua experiência. Mesmo que eu considere que um grupo viveu uma experiencia em comum, como partilhar as emoções de navegar em um barco em alto mar no momento em que começa uma tempestade, mesmo assim, cada pessoa terá reações diferentes, pois cada uma conta com suas experiências passadas. Nos fazemos a experiência da experiência. Falando mais precisamente, a pessoa participa das experiências dela mesma, e estas experiências tocam um espaço que não é comum à outras pessoas. Ninguém pode conhecer de fato as minhas sensações nas relações que estabeleço, pois elas não estão ao alcance dos outros. Somente eu tenho acesso à elas. Portanto a única pessoa a aceder suas experiências é ela mesma. Dessa forma, não tem como a pessoa transmitir ao outro, o gosto do caju provado. Ela pode tentar elaborar em palavras, o prazer ou o desprazer sentido ao saborear o caju, mas jamais a apreensão do sabor.

Cada pessoa tem diferentes sensações porque elas são mescladas à percepções individuais e únicas. Maine de Biran[7] comenta que a percepção é a reflexão sobre o  conhecimento que se apreende a partir do sensível, ou seja da experiência tátil, auditiva, gustativa, visual, olfativa e do equilíbrio. Essa apreensão é intencional e não passiva. Eu sinto o sabor agridoce do caju porque a minha sensibilidade se direciona à ele especificamente.
O corpo, matéria carnal e plástica, se modela segundo as experiências vividas e é  essa modelagem que dá aparência ao corpo, fazendo com que a pessoa se torne pessoa. Isto é o que Maine de Biran[8]  considera como Ego. É preciso apenas tempo para organizar esse vai e vem entre o momento ativo e passivo do efeito da experiência. O momento passivo é aquele que a pessoa é, ela mesma, o sujeito da experiência e o momento ativo, aquele que a experiência age sobre o sujeito. É bom reforçar que neste tipo de experiência, há trocas e fusões continuas que se afeiçoam à carne. Elas passam para o estagio de memória e cada vez que são solicitadas, reaparecem como lembranças.
Para que haja troca é necessário que a pessoa aprecie a coisa, se a relação é hostil, não existe troca[9], pois o sujeito se amalgama afim de concluir uma unidade. Como no amor, cada vez que duas pessoas estão enamoradas, existe uma espécie de fusão, sem que portanto, cada uma perca suas características, sua individualidade.
Em sua obra Aura, Stéphane Gladyszewski[10] ilustra bem esta fusão do corpo com as coisas com as quais o dançarino se relaciona. O artista cria efeitos de tromp l’œil. Aura provoca uma experiência óptica desestabilizante. Quando as imagens são projetadas sobre a pele ou sobre um tecido, e produz  efeitos  de tridimensionalidade e coloca o  espectador num estado de confusão e incapacidade de distinguir, no primeiro olhar, o que é virtual e o que é o dançarino, ele mesmo. No entanto, mesmo que as imagens deem a impressão de fusão, o que é virtual não se transmutará jamais em carne e o contrário também é verdadeiro.


Stéphane Gladyszewski, Aura, Montreal 2005, Foto: Stéphane Gladyszewski.


Desta maneira, a experiência provoca inicialmente um estado particular, onde um corpo se encontra amalgamado à uma outra coisa, seja ela um sabor, um cheiro, uma paisagem, um lugar. Depois a unidade se dissolve e cada parte retoma sua individualidade acrescentada do que foi vivido durante o tempo em que as partes se fundiram. Antes desta experiência, cada parte tinha suas características. Após, cada parte continua com suas características iniciais acrescidas dos afetos trocados com o “outro” no momento vivido durante a experiência. Isto implica em mudanças, as sensações serão, de agora em diante, enriquecidas pelos afetos trocados. O mesmo acontece com a percepção, a pessoa terá outra percepção das coisas.
A natureza da experiência é determinada pelas condições fundamentais da existência. O humano, como os animais, tem que se adaptar para sobreviver e para isso ele não se fecha no limite de sua pele, mas troca incessantemente com o meio ambiente. Essas trocas são íntimas, vão muito além do simples interagir.  A pessoa quando troca de lugar procede à uma fase de adaptação, esta não se faz mecanicamente, tem momentos que entram em atrito e em outros atuam em uníssono. Segue um ritmo e é por causa do atrito que vem o equilíbrio, e não por passividade. A ordem não é imposta pelo meio, mas numa combinação harmoniosa entre pessoa e espaço.
Dewey[11] comenta que a experiência estética requer um fim na experiência ela mesma, a apreensão do momento em que ela se da e não num resultado externo, como no observador no caso das experiências científicas. Uma vez que no momento em que a pessoa vive a experiência estética ela apresenta uma acuidade do sensível e vive intensamente os seus sentidos.
A maneira como a experiência se apresente as diferentes pessoas, vai afetar de maneira particular cada uma delas e, consequentemente, a forma de cada uma perceber as coisas. Assim, a aquisição de novas experiências se acumulam na carne sem que a pessoa tenha que se esvaziar dos afetos anteriores. Para cada um, o resultado será distinto.
A consequência disso é que a pessoa se transforma à cada nova experiência, sem que sua aparência biológica, anatômica se modifique. Sendo assim a pessoa se atualiza em constantes transformações plásticas. As transformações da pessoa, em razão dos novos afetos, resulta em novas formas de expressão. Eu quero dizer com isso que, a cada nova experiência, a pessoa se remodela sem perder suas características primárias, mas mesmo assim acrescenta novas sensações à sua carne.
O processo da vida se realiza continuamente, as experiências são incessantemente renovadas, o lugar em que  a pessoa viveu uma experiência se transforma em uma parte constitutiva dela mesma. Desta maneira o novo ser acrescido de suas recentes experiências, age no meio ambiente, já de forma diferente, resultando em novos afetos e dessa forma reinventa sua relação com o mundo.
A pessoa se adapta reintegrando-se num novo ambiente, guardando os afetos do mundo em sua carne ao mesmo tempo que ela alarga os seus limites dentro do mundo. A pessoa possui o mundo e o mundo a possui, ou seja, neste processo, a pessoa adquire novos hábitos a partir dos quais age em seu meio. E com essas constantes trocas, a pessoa tece com o mundo, os seus afetos que lhe aportam novas possibilidades para outras experiências.
Do mesmo modo que a pessoa não pode esvaziar-se das sensações vividas nas experiência cotidianas, ela não pode também esvaziar suas expressões daquilo que ela apreendeu do mundo. Para exprimir-se a pessoa tem sempre como fonte, o conjunto de conhecimentos adquiridos durante a longa troca com o meio ao qual ela se insere. Com isso quero dizer que a pessoa fala um idioma com o sotaque do local que ela aprende a falar, o mesmo acontece com o seu movimento corporal, ele apresenta sotaques do lugar ao qual a pessoa está inserida.
Dewey[12] comenta que a experiência feita pelo artista difere da experiência feita pelo cientista, já que a do primeiro requer uma interação entre objeto e pessoa, pois que o resultado da experiência é a expressão do próprio objeto de arte. No segundo, a expressão do resultado se dá por meio de signos, palavras, símbolos matemáticos, e todas as possibilidades decodificáveis possíveis de uma comunicação narrativa do objeto.
Antes mesmo que o artista comece a desenvolver um projeto, ele traz na carne, no olhar, nos sentidos, os afetos com o meio, suas experiências passadas acrescidas das recentes. Ele os transforma, os recompõe para se reatualizar. No entanto, ele não tem como excluir antigos afetos contidos no seu novo olhar.
Assim, na expressão artística, encontramos coisas que são comuns a todos  e expressadas de forma particular pelo artista. Deveria ser possível perceber os afetos que o artista traz do seu meio, visto que é parte pregnante da pessoa.
Dentre as diversas sociedades, existem diferentes maneiras de apreender o tempo e o espaço. Isto engendra na particularidade do ritmo do movimento corporal, a maneira de mover-se, sentar, andar, gesticular, sorrir, a maneira de ficar de pé, de movimentar os quadris. Há também a particularidade no ritmo de  pronunciar as palavras, mesmo falando o mesmo idioma (veja o português falado no Brasil e em Portugal, o francês de Quebec e da França). Enfim, é o conjunto das atitudes, das ações, dos gestos de cada povo que caracteriza a maneira de trabalhar, se defender, pensar, se expor, como também a expressão corporal.
Na minha pesquisa sobre as diferentes maneiras de mover-se, realizada no Brasil (Brasília), Canadá (Montreal), França (Paris), percebi algumas características marcantes que me chamaram a atenção. Os parisienses correm o tempo todo para se deslocarem nas ruas, para não perder o metrô, ou o ônibus. Paradoxalmente, as ações burocráticas são muito lentas, assim como também a realização de um atendimento no comércio. Lá o comprador tem tempo para retirar o cartão com cuidado, conversar com o caixa, verificar se o que foi cobrado está correto, ajeitar tudo dentro da bolsa e só depois o atendente vai dar atenção ao próximo.
Os Montrealenses são mais lentos no seu deslocamento. Ninguém corre para pegar o metrô ou o ônibus, e mesmo na hora do rush, não há empurrões para entrar no metrô. Pacientemente a fila vai andando e se lotou... Espera o próximo! Talvez essa paciência se dê por causa do longo período invernal: nas ruas, melhor nem tentar correr para não se arriscar a cair e machucar. Em revanche, eles tem o atendimento burocrático rápido e eficiente. No comercio o atendente é rápido também, quando menos se espera já está atendendo o próximo. No Brasil, existe uma certa desordem, no comércio o funcionário atende a pessoa e qualquer outro que chegue para pedir informação, além do que , não exita em conversar ao telefone particular no momento que atende seu cliente. A burocracia é lenta, porém o atendente com sua simpatia costuma resolver o problema; isso se ele estiver de bom humor, o que suponho ser um atendimento passional e não eficaz como deveria ser. Em Brasília, somos habituados aos vastos espaços e à beleza arquitetônica da cidade, às curvas e às retas. Não é habito usar o transporte comum. Cada qual se desloca em seu próprio carro. Resta o transporte público às pessoas que moram no entorno, e sofrem com a desorganização. Com isso concluo que a organização social no Brasil é privada.
Como havia comentado anteriormente, o movimento (ritmo, tempo, direção, espaço), é particular à cada cultura, mas as pessoas tendem a acreditar que isso é inerente ao humano sem considerar as diferenças. Nossos esquemas corporais são fundados na nossa experiência cultural e todo mundo à nossa volta compartilha os mesmos modelos. O caráter passivo dos hábitos, distinguem portanto essa educação exterior de aprendizagem, ativa e engajada na reflexão como nascimento de si ou experiência do mundo.
A pessoa está o tempo todo em relação com estruturas materiais: ambiente geográfico, arquitetural, e também com as estruturas que não são palpáveis: sociais, antropológicas, filosóficas. A cultura afeta a memória, a forma de pensar, as relações humanas, etc... Isso particulariza, os hábitos, a linguagem, a alimentação. São as relações entre essas diferentes estruturas que fecundam a expressividade da pessoa. A casa, o quarteirão, o bairro,  tudo que nos envolve modela o movimento corporal, a forma de expressar suas emoções. Tudo isso é importante para a relação do sensível e da plasticidade da pessoa,  e a relação entre arquitetura e aprendizagem espacial também é muito importante. 
O povo francês se relaciona muito mal com seu próprio corpo. Os sorrisos são discretos, os ombros sempre contraídos, falam muito baixo, sempre preocupados se os outros estão ouvindo, os muculos faciais são frequentemente contraídos, as pernas sempre cerradas uma à outra, é considerado indiscreto olhar diretamente nos olhos de um desconhecido. Não olham jamais diretamente para um estranho mas vigiam e julgam o tempo todo como comenta Foucault[13] . Dessa forma expressam o corpo rígido e deprimido, que para mim nada mais é do que o corpo dócil discutido também pelo mesmo autor.  Uma outra remarca muito importante é o fato da burguesia francesa ser extremamente católica. No entanto a única expressão usada o tempo todo que denuncia a crença é a palavra perdão.
No Brasil, mesmo os que não tem religião utilizam expressões tal como: “Ai meu Deus!”. Ninguém olha com repressão, quando o outro usa uma expressão que remete às crenças cristãs. O povo brasileiro tem o hábito de acreditar que tudo acontece segundo a vontade de Deus. Humaniza o que não pode ser visto pelo o humano, faz do invisível a sua semelhança como discute Jean-Marie Scheffer[14]. O movimento corporal é amplo e ondular, temos constantemente contato com a própria pele. As pessoas usam roupas leves o que contribui para que o limite cutâneo se estenda para a exterioridade.
Os Montrealenses, embora não se toquem como o brasileiro, mantém o seu espaço corporal bem largo. Sentam-se tomando o espaço da cadeira sem se reprimirem. A forma de expressar algo que remete ao cristianismo se dá pelos palavrões, que não são orientados para o sexo, como é para o brasileiro e para o francês. São constituídos por palavras que denominam objetos utilizados em uma missa, como por exemplo, cálice, hóstia, tabernáculo. Inúmeras igrejas em Montreal, foram destruídas por dentro, conservando apenas a forma arquitetônica externa. Dentro deram utilidade aos espaços vazios.
Após discutir sobre os afetos e a plasticidade corporal e comentar que o sotaque do movimento corporal é pregnante na pessoa, eu pergunto: onde se perdem as particularidades dos movimentos corporais de cada povo para que a expressividade em dança contemporânea se apresente padronizada? Onde está a originalidade e por que vemos nas composições coreográficas o modelo do corpo rígido e reprimido do francês?





Referência Bibliográfica:
            
DELEUZE, Gilles. Logique du sens. Paris, les éditions de Minuit, coll. critique, 2005.

DEMEULENAERE, Pierre. Une théorie des sentiments esthétiques, Paris, Grasset, 2001.

DEWEY, John. III L’art comme expérience, introduction par Richard Shusterman, postface de Stewart Buettner, Traduit de l’anglais (USA) dans le cadre du GRAPPHIC et du CICADA par Jean-Pierre Cometti, Christophe Domino, Fabienne Gaspari, Catherine Mari, Nancy Murzilli, Claude Pichevin, Jean Piwnica et Gilles Tiberghien, coordonnée par Jean-Pierre Cometti, publications de l’Université de Pau, Farrago, 2005.

FOUCAULT, Michel. Surveiller et punir, Naissance de la prison, Paris, éditions Gallimard, collection Tel, (1975), (1er dépôt dans la collection : avril 1993), 2006.

KRISTEVA, Julia. Semiotiké, recherches pour une sémanalyse. Paris, edições du Seuil, 1969.

MAINE de BIRAN. De l’aperception immédiate mémoire de Berlin. 1807. Edição organizada por Anne Devarieux, Paris, editora : Le livre de Poche, 2005.

________________. Mémoire sur la décomposition de la pensée, (1804), Paris Librairie philosophique J. Vrin, 2000.

SANTOS, Milton. Território e sociedade, São Paulo, édição Fundação Perseu Abramo, 2000.

SARTRE, Jean-Paul. L’être et le néant, Essai d’ontologie phénoménologique. Edição corrigida por Arlette Elkaïn-Sartre, Paris, collection Tel, Gallimard (1943),1996.

SCHAEFFER, Jean-Marie. In Qu’est-ce q’ un corps ? Afrique de l’Ouest/Europe occidentale/Nouvelle-Guinée/Amazonie sob a direção de Stéphane Breton. Michèle Coquet, Michael Houseman, Anne-Christine Taylor, Eduardo Viveiros de Castro, Paris, Obra co-editada pelo museu do quai Branly e edições Flammarion, 2006.




[1]Sartre, Jean-Paul, L’être et le néant, Essai d’ontologie phénoménologique. Edição corrigida por Arlette Elkaïn-Sartre, Paris, collection Tel, Gallimard (1943),1996.
[2] Maine de Biran, Pierre, De l’aperception immédiate mémoire de Berlin. 1807. Edição organizada por Anne Devarieux, Paris, editora : Le livre de Poche, 2005.
[3] Santos, Milton. Território e sociedade, São Paulo, édição Fundação Perseu Abramo, 2000.
[4] Kristeva, Julia. Semiotiké, recherches pour une sémanalyse. Paris, éd. du Seuil.
[5] Deleuze, Gilles.  Logique du sens. Paris, les éditions de Minuit, coll. critique, 2005.
[6]  Ibid.
[7] Maine de Biran, Mémoire sur la décomposition de la pensée, (1804), Paris Librairie philosophique J. Vrin, 2000.
[8] Ibid.
[9] Dewey, John, III L’art comme expérience, introduction par Richard Shusterman, postface de Stewart Buettner, Traduit de l’anglais (USA) dans le cadre du GRAPPHIC et du CICADA par Jean-Pierre Cometti, Christophe Domino, Fabienne Gaspari, Catherine Mari, Nancy Murzilli, Claude Pichevin, Jean Piwnica et Gilles Tiberghien, coordonnée par Jean-Pierre Cometti, publications de l’Université de Pau, Farrago, 2005.
[10] Chorégraphe québécois.
[11]Dewey, John, 2005.
[12] Dewey, John, 2005.  
[13]Foucault, Michel, Surveiller et punir, Naissance de la prison, Paris, éditions Gallimard, collection Tel, (1975), (1er dépôt dans la collection : avril 1993), 2006.
[14] Schaeffer, Jean-Marie, in Qu’est-ce q’ un corps ? Afrique de l’Ouest/Europe occidentale/Nouvelle-Guinée/Amazonie sob a direção de Stéphane Breton. Michèle Coquet, Michael Houseman, Anne-Christine Taylor, Eduardo Viveiros de Castro, Paris, Obra co-editada pelo museu do quai Branly e edições Flammarion, 2006.


Marcia Almeida
Ph.D em Estética (Filosofia da Arte)/Dança pela Universidade Panthéon Sorbonne Paris 1
Professora  da Licenciatura em Dança do Instituto Federal de Brasília
Coordenadora do grupo de pesquisa em Arte Coreográfica – Dança contemporânea IFB/CNPq

para citação: Almeida,  Marcia. A plasticidade corporal e a dança contemporânea. in III Seminario Nacional de DançaTeatro, Caminhos da dançaTeatro no Brasil. Viçoa, editora TRIBUNA, paginas: 68 a 78 2011. ISBN: 9788572694056 

domingo, 26 de junho de 2011

Discussão sobre a Arte coreográfica, a composição e restauração em Dança contemporânea. Exemplo coreográfico : “Autour du vide : immédiatement présent!”


Trata-se da discussão sobre a composição coreográfica de minha autoria com a colaboração, na pesquisa de movimentos, do grupo de pesquisa composto pelas alunas da graduação em Arte coreográfica da Universidade de Paris 8 em 2009, sob minha orientação. Neste trabalho investigo o espaço  tendo como obra de referência a Exposition du  Vide (Exposição do Vazio), proposto pelo artista plástico Yves Klein em 1958, publicado na galeria Iris Clert, Paris e reeditado no Centro George Pompidou, Paris 2009. Propomos então discutir além do tema escolhido para a pesquisa, a restauração da obra. Brandi  considera que a restauração deve manter sua estrutura, e projetar para a atuação prática da atualidade. Tem como fundamentação teórica Maine de Biran, Cesare Brandi, Demeulenaere, Dewey, Yves Klein.



A pessoa é um entrelaçamento do envelope corporal e suas experiências sociais. E  dessa teia resultam seus investimentos mais sensíveis como também as representações mais elaboradas. Disso desdobram-se suas inspirações, seus sentimentos e pensamentos. Sendo assim, a pessoa ocupa um espaço singular, tem uma maneira única de se apresentar  no mundo. A pessoa é portanto uma massa contendo uma forma plástica, que ocupa um espaço, e move toda uma massa não visível em volta de si.
O corpo se mantém constantemente em movimento. Eles podem ser voluntários ou  involuntários. A maior parte dos movimentos voluntários se conclui em uma ação funcional, isso quer dizer, ações que têm sempre um objetivo preciso. Os involuntários são aqueles inerentes à sobrevivência. Muitas das ações funcionais são diretamente ligadas à um outro objeto como pegar um copo, ler um livro, escutar uma música. E existem movimentos funcionais que não estão ligados à um objeto, como correr, andar, sentar, etc. O que essas duas formas de ação têm em comum é que existe um objetivo a ser alcançado que leva a pessoa a se mover. É a pessoa, ela mesma, quem toma a decisão em uma determinada ação. Ela não age sob o comando de um entidade externa à si. Os corpos-instrumentos seriam como marionetes. É preciso alguém que aciona e controla uma sequência de movimentos, pois que o corpo-marionete não tem jamais autonomia de ação corporal. (...) Eu considero que o corpo que pensa é o mesmo que determina as ações. Não existe intervalo entre pensamento e ação. A pessoa pensa e age; o que eu penso é intrínseco ao que sou.[1] A pessoa sabe como agir para evitar danos corporais e também como poupar energia nos seus movimentos. No momento de agir, ninguém para para refletir sobre a melhor maneira de pegar um objeto que caiu no chão. Ela simplesmente age sem se questionar onde e como colocar os pés, como alinhar as pernas, a cintura pélvica, ou ainda, qual movimento demanda menos energia, ou qual é mais eficaz e demanda menos esforço. O movimento se apresenta simplesmente da melhor forma possível para que a pessoa não se machuque. Esses movimentos nascem da necessidade de completar uma ação, ou seja, com uma finalidade a ser concluída.
Por outro lado, encontramos na expressão em dança, os movimentos poéticos. Aristóteles[2] comenta que a linguagem poética é antes de tudo concebida como transgressão da norma da linguagem do cotidiano; o poeta deve se distanciar da banalidade do uso corrente[3] para surpreender o leitor e sobretudo provocar o surgimento da beleza[4]. De onde surge a importância acordada à metáfora. Desta maneira, na Arte Coreográfica, os dançarinos se utilizam dos movimentos do cotidiano ou banais, mas de maneira metafórica afim de recriar os movimentos à partir da experiência pessoal de cada um. Assim, a expressão poética não demanda uma cópia tal qual o mundo real, mas a expressão da percepção do mundo apreendido.
Isso porque a arte de um modo geral não tem a intenção de significar, assim como não tem funcionalidade. Não dançamos para transmitir algo preciso, pois a dança não tem a objetividade da comunicação da linguagem verbal. Para José Gil[5]: O gesto dançado, a menos que tenha sido concebido(codificado) para apresentar certa significação precisa, não quer dizer um sentido que a linguagem articulada poderia traduzir de maneira fiel e exaustiva. O gesto é gratuito, transporta e guarda para si o mistério do seu sentido e da sua fruição.
Isso quer dizer que quando me sirvo da linguagem falada e me refiro à fruta laranja, o sentido da palavra laranja me remete à sensação do sabor da fruta e eu identifico nessa palavra a forma, a cor e o sabor da laranja. Já quando eu me expresso através da dança, busco exprimir uma maneira de sentir, e não um sentimento particular. Os gestos são abstratos e os sentidos comportam um horizonte infinito que não se esgota através da tradução em palavras. O que eu quero dizer é que na dança não se pretende exprimir afetos categoriais, ou seja, aqueles que têm um significado intrínseco; o gesto dançado não exprime um signo previamente codificado e não acrescenta significação ao sentido. Gil[6] considera que o que caracteriza o gesto dançado é:  [...]o fato de ele nunca ir até o final de si próprio. [Acrescenta] No movimento que se desdobra, retém-se, regressa sobre si mesmo e prolonga-se no gesto seguinte. Neste sentido não tem contorno, tem apenas um enredor, esquiva-se aos seus próprios limites, escapa a si próprio.
Dançar não é o mesmo que somente movimentar o corpo. Quando alguém dança em uma boate, por exemplo, a pessoa se move segundo o ritmo imposto por uma música. Normalmente, quando estão se movendo, as pessoas não têm sequer consciência das qualidades de seus movimentos, dos músculos e articulações que estão em jogo. Pode acontecer da pessoa repetir os mesmos movimentos durante toda a noite sem perceber o que realmente está fazendo. Neste caso, trata-se de movimentos mecanizados e não da dança que conhecemos como tal. É importante sublinhar que a dança comporta diferentes manifestações como as danças sociais das boates e das festas, as danças tradicionais de uma determinada cultura, as danças sagradas e rituais para reverenciar as divindades. Sendo assim, as funções de entreter, celebrar, cultuar e preservar tradições dessas danças (sociais, tradicionais, sagradas) as distinguem da expressão artística, ou seja da Arte Coreográfica. Mas existe uma tendência a denominar dança, tudo o que se refere aos movimentos corporais, como se pudéssemos denominar musica, todos os sons, inclusive às buzinas de carro no trânsito.
A arte coreográfica é uma maneira de organizar os movimentos e estes, por sua vez, nascem do desejo de expressão. Assim, existe uma maneira de dar forma ao movimento, afim de engendrar uma sequência coerente num tempo e espaço organizado.

 “(...) é preciso sublinhar que eu considero a noção de forma como propõe Pierre Demeulenaere[7], aquela que é plástica, maleável que se adapta ao ambiente. Isto difere da idéia e forma que resulta, por exemplo, de aparência esperada por comportamentos que são mais delimitados e imóveis, como uma forma dada a um bolo que é cozido dentro de uma forma. Não ha plasticidade nesta forma, a não ser que eu decida cortar e redefinir a forma desse bolo, mas ele se tornara ainda uma forma precisa e imutável. Neste caso, a forma é uma definição precisa de alguma coisa que é feita dentro de uma moldagem. Para modificá-la é preciso uma ação direta e externa sobre a coisa. No entanto a forma proposta por Demeulenaere permite a plasticidade segundo os afetos.”[8]

As técnicas corporais que se aplicam para desenvolver a dança contemporânea, contribuem para a acuidade do movimento e são baseadas na espontaneidade corporal: a dançarina tem propriedade de seus movimentos, mas aprende a agir de maneira espontânea e consciente, no momento da pesquisa de movimentos corporais para a composição coreográfica. Através da Arte Coreográfica, os movimentos corporais desvelam e metamorfizam os efeitos da passagem do tempo sobre o ser humano, para reconstruir uma estrutura afim de expressá-la.
Como comentei acima, o gesto dançado se diferencia do gesto funcional, que é aquele que a pessoa executa com um fim, por exemplo mover-se para pegar um objeto. No entanto, a exemplo de Duchamps em Fontaine (1917/1964),  que transforma um objeto ordinário em obra de arte, nada impede também que na Arte Coreográfica nos utilizemos dos gestos funcionais com o objetivo de transformá-los em expressões artísticas. Marcel Duchamps pegou um artigo ordinário da vida cotidiana, e o colocou de maneira que sua significação de uso desaparecesse por meio do seu novo titulo e ponto de vista. Ele possibilitou a criação de um novo pensamento para esse objeto.
Desta maneira, a dança pode ser composta também por gestos funcionais, mas de uma forma metafórica como considera Aristóteles. Recriando também os movimentos a partir do que a pessoa vivenciou através de sua percepção do mundo e do seu conhecimento sensível. Neste caso a imitação, como propõe o mesmo autor, não é uma cópia tal qual o mundo real, mas uma interpretação a partir do mundo percebido.
Na dança os movimentos nascem a partir do desejo de expressão. O corpo dançante remodela o mundo segundo o que ele apreende através do seu conhecimento sensível. Para Aristóteles (2008) a metáfora participa estreitamente desta recriação do real sensível: a forma como fundo contribui para fazer da poesia um meio de apreender o mundo, global e totalizante.
Vamos pensar então que os movimentos dançados podem ser considerados  movimentos poéticos. A/O dançarina/no é poeta e poesia ao mesmo tempo. Segundo Aristóteles(2008), a língua poética é antes de tudo concebida como transgressão da norma da linguagem; o poeta deve afastar-se da banalidade do cotidiano para surpreender o leitor. Daí a importância dada à metáfora.
O corpo dançante remodela o mundo, tal qual ele se apresenta para a pessoa, por meio do conhecimento que ele adquire pelos afetos trocados com o ambiente. Segundo as plumas de Aristóteles[9], a metáfora participa estreitamente na re-criação do real sensível. Eu considero que isto se aplica à dança. Os dançarinos não transpõem diretamente os movimentos apreendidos do meio ambiente, porque ele faz como o poeta, posso dizer que o dançarino é o poeta do movimento. Representar os modelos vistos no mundo seria a pantomima e não Arte Coreográfica. De fato, os dançarinos transpõem os movimentos banais por meio da metáfora e os transformam em poesia.
Cada dançarino se expressa de maneira única. Cada um exprime a mesma coisa, porque as pessoas que coabitam em um mesmo lugar compartilham a mesma paisagem, mas de uma maneira diferente. Com a ressalva de que os afetos que cada um troca com o seu meio é particular e intimo, as expressões não podem então, serem as mesmas para todo mundo.
Para a composição coreográfica em Dança Contemporânea, cada dançarino deve ir de encontro às sensações que ele tem ao entrar em contato com a coisa, e expressar essa sensação de forma poética, como bem coloca Lenora Lobo[10]. 
Existem coisas que permanecem na carne como cicatrizes e outras que são evanescentes. Mas todas elas participam na formação do Ego[11], ou seja, na formação da pessoa. O fato de experimentar pessoalmente alguma coisa, é fundamental para decidir a maneira de se exprimir.
O olhar dirigido em atenção à um objeto determinado, engendra lembranças que participam da memória da pessoa de maneira específica, compreendido que os rastros que permanecem nas entranhas, são sui generis para cada pessoa. Podemos criar belas e diferentes metáforas à partir de um estimulo comum à todos.
A relação de afeto do meio com a pessoa se desvela corporalmente. Por exemplo: as técnicas rígidas estavam em acordo com um tempo onde a sociedade controlava o comportamento das mulheres por meio de um corset. O corpo refletia a imagem de ordenação social. Neste tempo, já longínquo, a dança impunha restrições corporais para as mulheres. Desta forma, o corpo dançante exprime o que corresponde à realidade contemporânea. O dançarino conta história sem necessitar recorrer à sistemas de interpretação e copiar os movimentos cotidianos. Nietzsche[12] comenta que para o verdadeiro poeta, a metáfora não é uma figura retórica, mas uma imagem substitutiva que ele percebe no lugar da ideia. Isto quer dizer que em suas criações o dançarino, recorre ao mundo do cotidiano vivido segundo o que ele conhece por meio de seus sentidos.
O dançarino se expressa de uma maneira tal que o público vive segundo seus afetos, pois que a Arte coreográfica se apresenta de forma poética, sem ter a preocupação de explicar o que está sendo expresso pelos dançarinos. Esta forma poética é construída à partir da pesquisa de um caminho diferente ao que a pessoa é habituada percorrer no momento da execução de seus movimentos cotidianos. Logo que a pessoa ultrapassa os movimentos habituais, ela acede a novas possibilidades expressivas.
O corpo compõe, decompõe e recompõe movimentos, mas não é suficiente ter uma boa técnica, pois é necessário ir além dela. É preciso sublinhar que eu trato a técnica, como meio para a liberdade de expressão e não formatação.  Ela serve como base e o dançarino deve saber se servir dela para exprimir-se poeticamente. É preciso desenvolver uma sensibilidade que permita a pessoa olhar e ver nas nuvens, além da água cristalizada e condensada; perceber as imagens que se formam ao sabor do vento que lhes faz deslocar na imensidão do céu. É preciso saber deixar-se transportar pelos sonhos e, sobretudo, saber exprimir suas percepções como um poeta.
Vou aqui falar a respeito do trabalho que desenvolvi com um grupo de alunas da graduação em dança da Universidade Paris 8, em Paris. Depois de uma formação que envolvia: 1) iniciação à anatomia e à biomecânica, para trabalhar a educação somática; 2) qualidade e expressividade da corporeidade; 3) Composição coreográfica; 4) publicação da composição.
Dentre as três dançarinas que optaram pela publicação coreográfica, uma tinha  formação em dança clássica, outra havia feito sua formação por meio de vários workshops, e a terceira havia feito dança clássica na infância, o que afetava fortemente seus movimentos. Estas três pessoas tinham assim, um percurso completamente distintos no que tange à dança, sem considerar suas diferentes experiências e diferentes etnias: uma francesa, uma búlgara e uma chilena criada em Paris desde os dois anos de idade.
Para esta composição coreográfica, eu propus pesquisarmos a obra “Vide”de Yves Klein[13]. É importante sublinhar que eu não levei em consideração a pesquisa que o artista fez na filosofia budista. No meu trabalho eu não propus nenhuma questão religiosa. A pesquisa para a composição coreográfica foi feita a partir da obra exposta por Yves Klein sobre o vazio, o que nós vimos e experimentamos através nossa própria percepção da exposição « Vide, une rétrospective[14]». Nós fomos em busca de todo o material sobre a obra, livros, vídeos, etc. Discutimos muito sobre o vazio, em numerosas situações, sobretudo do vazio no espaço, espaço corporal, espaço que contorna o corpo. Surgiram questionamentos  diversos : O que seria o vazio no movimento corporal?; Teria vazio na interioridade corporal?; Tem alguma coisa que é vazia ou o vazio é alguma coisa que a vista não é capaz de ver?
A noção do vazio é proposta como o desequilíbrio nas concepções das artes marciais. Na dança, eu não sei onde é o lugar do vazio, talvez na pausa, ou quando o movimento ainda não existe visivelmente? Quando ele ainda não foi expresso?  Para mim, o vazio é qualquer coisa que eu conheci e ao qual eu não posso mais aceder. O movimento é evanescente, ele existe  um momento, quando ele está presente. Através dos meus sentidos eu sigo os traços que compõem os movimentos. Uma vez executado, ficam os rastros na memória. Sobra o vazio do movimento que teve lugar em alguma parte. Mas o que pode ser o vazio da interioridade corporal? Talvez as coisas que não são vistas. Em todo caso, mesmo que eu não veja meus órgãos, eles estão lá envolvidos pelos ossos e músculos, eu os sinto mesmo que não os enxergue. Não posso, então, concluir que o vazio é algo que eu não veja. Como poderia exprimir o que eu compreendo como vazio corporal? O vazio seria a falta? Como posso dançar o vazio ?
Percebe-se então que o vazio é relativo. Uma parte, como todo vazio, é cheio do que cada um pode ou sabe preencher, na outra parte, e sobretudo, o vazio é aberto à criação.  Este contraste entre o cheio e o vazio, dá mais relevância à presença da ausência do conteúdo da parte vazia. Um copo vazio é sempre cheio de coisas invisíveis. Segundo Proust[15], o ambiente supostamente vazio, guarda sempre em si, uma memoria invisível das coisas que lá existiram.
Por conseguinte, cada uma das dançarinas debruçou-se sobre a pesquisa do que o vazio representava para elas.  Propomo-nos a experimentar diferentes abordagens sobre o vazio. A experiência de se deixar submergir no vazio é bastante importante para o processo da pesquisa corporal na composição coreográfica. Tratando-se de uma arte tão carnal como a Arte Coreográfica, para se ter um bom resultado na expressão, faz-se necessário passar pela experiência, ela mesma. É importante sentir na carne para melhor se exprimir. Sem esta vivência, o movimento resta como forma sem conteúdo.
Nos momentos de minhas experiências na exposição « vide, une rétrospective », eu tive a vontade de ocupar o estaço. Seja o espaço da sala, seja o espaço vazio das paredes. Tive vontade de compor quadros, ilustrados por movimentos dançando nos muros brancos. De fato, os muros brancos, as salas vazias, recheadas de espaço livre, me incitaram a mover, afim de ocupar o espaço e de vir a ser eu mesma, formas para compor com os muros brancos, como sendo os quadros que ali estavam faltando.
As três dançarinas também tiveram suas experiências nas salas de exposição sobre o “Vazio”. Após discutir exaustivamente sobre o vazio, eu propus cinco questões, referentes ao tema para instigar a pesquisa de movimentos corporais, foram elas: 1) O que é o vazio?;  2) O que é o vazio na interioridade corporal? Significa a mesma coisa dizer: o espaço na interioridade corporal no lugar do vazio na interioridade corporal?; 3) Tem um espaço vazio entre eu e e o objeto que eu trabalho?; 4) Existe um vazio entre eu e os outros?; 5) Como posso eu trabalhar sem preencher o vazio entre eu  e o outro?
Estas questões foram colocadas para cada dançarina. Após discutirmos a primeira, eu pedi que desenhassem alguma coisa que pudesse exprimir sobre o espaço vazio de uma folha em branco Outras vezes elas escreviam e ainda em outras, simplesmente dançavam. Depois partimos para a pesquisa e seleção de movimentos apresentados, criando em seguida, uma sequência de movimentos em uma determinada direção, ocupando um determinado espaço, executado num determinado tempo. Vale sublinhar que a discussão era extensa para cada questão apresentada, só passávamos para a próxima depois de esgotarmos as possibilidades do trabalho proposto. Certas questões necessitavam mais de um encontro para exaurir-se. Apenas passávamos para a próxima após cada dançarina ter composto sua sequência de movimentos.
À medida que se desenvolvia a pesquisa corporal referente às questões propostas, ficava mais evidente a diferença de movimento, conferida na singularidade de cada  dançarina. De fato, cada pessoa percebe o mudo de maneira diferente e traz em si as marcas de suas experiências. Merleau-Ponty[16] comenta que no mesmo instante em que eu considero compartilhar a vida do  outro, o nosso ponto de encontro se dá na exterioridade, como por exemplo, através de uma música, de uma paisagem que compartilhamos. E são estas coisas, elas mesmas, que me abrem o acesso do mundo privado do outro. No entanto, a intervenção do outro não soluciona o paradoxo interno da minha percepção, ela expande a minha vida mais secreta até o outro. É bem verdade que “os mundos privados” se tangem, fundem-se.  Apesar desse contato  entre a esfera privada de cada um e seu entorno, a maneira de perceber o mundo e o jeito de se exprimir será sempre singular.
As três dançarinas trabalharam cada uma em suas pesquisas de movimentos, os quais para elas eram pertinentes às questões, e eu as ajudava na seleção desses movimentos. Depois, com esse material selecionado, seguimos para o momento da composição coreográfica. Importante remarcar que o material que as dançarinas produziram, funciona como uma espécie de rascunho o qual o coreógrafo utiliza para compor um quadro. Eu comparo o coreógrafo a alguém que propõe pigmentos e que incita o outro a criar cores com esses pigmentos. Na sequência, ele recupera as cores criadas e compõe um quadro. As cores são sempre habitantes no espaço, é necessário criar e recriar, na intensidade do vazio sobre os rastros dos movimentos, que são sempre evanescente. A experiencia corporal é sinal que pode aparecer no mundo esta enigmática presença tão fugitiva quanto a sombra. Esse é o trabalho do compositor coreográfico. O momento da composição faz parte de um outro momento de criação, é um processo laborioso.
A Arte Coreográfica é apresentada por uma pessoa e o corpo é ele mesmo carne, matéria visível e palpável. A dança é também matéria, visível, embora fugaz. Normalmente, o movimento aparece e desaparece no tempo, pois que o tempo escoa. Existe uma dimensão escondida  das formas apresentadas que as pessoas não veem realmente. O que se consegue captar são os rastros do movimento que ficam entranhados na carne de quem vê. Quando dançamos, deixamos rastros de movimentos, mas o movimento é fugaz, e não pode nunca ser retido. O espectador pode refletir sobre o que viu. A arte é matéria abstrata assim como a reflexão que ela engendra.
Como restaurar uma obra de arte tão evanescente como a Arte Coreográfica em Dança Contemporânea? Brandi[17] considera que “a restauração constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física  na sua dúplice polaridade estética e histórica, com vistas à sua transmissão para o futuro.” Sendo assim, a  restauração não é o mesmo que re-criação, mas a conservação da estrutura, levando em consideração a matéria, a forma, o local e o objeto de pesquisa que foi trabalhado. No caso da Dança Contemporânea, a matéria são as próprias dançarinas; a forma, são os movimentos; o local, é onde foi feito a concepção e por quem foi feito, levando em consideração seus afetos.
Tratando-se de dança contemporânea, em que a obra será restaurada por outras dançarinas, o objeto de pesquisa passa a ser a própria obra e não mais o objeto que foi pesquisado inicialmente. Neste caso, deixamos de lado o Vazio de Yves Klein e passamos a estudar  a obra “Autour du vide : immédiatement présent!”. Haverá uma fusão entre os afetos trazidos pelas novas dançarinas, que no caso passam a ser intérpretes de um movimento já trabalhado.
Claro que a restauração não será, jamais, tal qual a obra original. Isso não ocorre. Nem obras como as pinturas ou as esculturas conseguem, pois que não conseguimos os mesmos pigmentos, ou o mesmo material para enxertar na obra esculpida, e nem mesmo tocar empregando a mesma força que o autor empregou no momento do entalhe. Contudo,  e menos ainda no caso da restauração em Dança Contemporânea, onde a matéria traz consigo os seus afetos; não se trata de cópia de movimentos, mas de estudos de movimentos que se aproximam aos movimentos já criados anteriormente, para que a estrutura da obra não seja modificada. Requer acuidade corporal para que se restabeleça o funcionamento do produto.


Referência bibliográfica
Aristóteles, Poétique, introdução, nova tradução e anotações de Michel Magnien, Paris, Edição Le livre de poche, 2008.
Brandi, Cesari, Teoria da restauração, tradução, Beatriz Mugayar Kühl; apresentação: Giovanni Carbonara; revisão: renata Maria Parreira Cordeiro; Cotia, SP, Ateliê editorial, (1963), 2008.
Demeulenaere, Pierre, Une théorie des sentiments esthétiques, Paris, Grasset, 2001.
Gil, José, Movimento total, o corpo e a dança, tradução: Miguel Serras Pereira, Rio de Janeiro, editora Iluminuras, (1935), 2009
Lobo, Lenora e Navas, Cassia, Arte da composiçao : Teatro do Movimento, Brasilia, editora LGE, 2008.
Maine De Biran, Pierre, Mémoire sur la décomposition de la pensée, (1804), Paris Librairie philosophique J. Vrin, 2000.
Merleau-Ponty, Maurice. Le Visible et l’Invisible, suivi de notes de travail, texte établi par Claude Lefort, accompagné d’un avertissement et d’une postface, Paris, éditions Gallimard, (1979), 1997
Nietzsche, Friedrich, La naissance de la tragédie, traduit de l’allemand par Geneviève Bianqui, Paris, éditions Gallimard, collections folio/essais, impression 1987, p. 59.
Proust, Marcel À la recherche du temps perdu,– Du coté de chez Swann, Paris, édições Gallimard, coll. folio classique, dépôt légal 1988, (2005).



[1]Almeida, Marcia,  http://portalabrace.org/vicongresso/pesquisadanca/Marcia%20Almeida%20-%20As%20afeta%E7%F5es%20plasticas%20do%20corpo%20e%20o%20conhecimento%20sensive1.pdf
[2]Aristote, Poétique, introdução, nova tradução e anotações de Michel Magnien, Paris, Edição Le livre de poche, 2008.
[3] Aristote, Poétique, (1458a 21, 1458b 1 et 32 sq.), 2008.
[4] ibid, (1458b 22)
[5]Gil, José, Movimento total, o corpo e a dança, tradução: Miguel Serras Pereira, Rio de Janeiro, editora Iluminuras, (1935), 2009, p. 85
[6]Gil, 2009, p. 89.
[7]Demeulenaere, Pierre, Une théorie des sentiments esthétiques, Paris, Grasset, 2001.
[8]Almeida, Marcia, As afetações... 2010
[9] Aristote, Poétique, 2008.
[10] Lobo, Lenora e Navas, Cassia, Arte da composiçao : Teatro do Movimento, Brasilia, editora LGE, 2008.
[11] Maine De Biran, Pierre, Mémoire sur la décomposition de la pensée, (1804), Paris Librairie philosophique J. Vrin, 2000.
[12]      Nietzsche, Friedrich, La naissance de la tragédie, traduit de l’allemand par Geneviève Bianqui, Paris, éditions Gallimard, collections folio/essais, impression 1987.
[13] Em 1958, Yves Klein organisa na la galeria Iris Clert « l’exposition du Vide » (exposição do vazio) : o espaço da galeria foi esvaziado de todos os objetos, como a incarnação do vazio, do nada, necessario para a meditação e conhecido da filosofia budista.
[14] Centre George Pompidou, 25 fevereiro - 23 março 2009 ; no « Palais de Tokyo” e galeria Marie Goodman.
[15] Proust, Marcel À la recherche du temps perdu,– Du coté de chez Swann, Paris, édições Gallimard, coll. folio classique, dépôt légal 1988, (2005).
[16] Maurice Merleau-Ponty, Le Visible et l’Invisible, suivi de notes de travail, texte établi par Claude Lefort, accompagné d’un avertissement et d’une postface, Paris, éditions Gallimard, 1997 (1979), p. 25.
[17] Brandi, Cesari, Teoria da restauração, tradução, Beatriz Mugayar Kühl; apresentação: Giovanni Carbonara; revisão: renata Maria Parreira Cordeiro; Cotia, SP, Ateliê editorial, (1963), 2008.

Marcia Almeida
Ph.D. em Estética (Filosofia da Arte)/Dança. Universidade Phantéon Sorbonne – Paris 1
IFB – Instituto Federal de Brasília
Professora – Licenciatura em Dança
Pesquisa – Arte Coreográfica/Dança Contemporânea.

Para citação: Almeida Marcia.  Discussão sobre a Arte coreográfica, a composição e restauração em Dança contemporânea. Exemplo coreográfico :  “Autour du vide : immédiatement présent!”, III Seminario e Mostra Nacional de Dança-Teatro, Caminhos da Dança no Brasil, paginas, 58 a 68, ISBN 9788572694056, editora Tribuna, 2011.